Page 45 - Revista EAA - Edição 96
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PONTO DE VISTA
Eletrificação veicular e a
reconfiguração do setor automotivo
“Compreender
as novas contínua e evolutiva, vai se colocando no mercado e al-
oportunidades terando funções sociais relevantes. O que se observa são
que se colocam novas interfaces que abrem oportunidades de negócio e
implica clamam por soluções diferenciadas, ou por novos modelos
reconhecer que de negócio, a fim de potencializar as oportunidades que
a mobilidade emergem. Ganha lugar este movimento de rearranjos no
elétrica tende mercado, em que questões econômicas, financeiras, tecno-
a representar lógicas, culturais e ambientais se combinam em torno da
uma tecnologia consolidação desta nova tecnologia.
disruptiva” Estar atento a este movimento, que surpreende constan-
temente pelos números crescentes de aceitação de merca-
* Flávia Consoni do, é condição necessária para não ser atropelado por tais
tendências. Assim como há oportunidades neste mercado
emergente, também há ameaças que condenam negócios
rota tecnológica da eletrificação veicular, nas suas tradicionais. Afinal, os números de vendas, internacionais e
várias configurações (hibridização, plug in, bateria e nacionais, apontam para uma inserção crescente de modais
A célula a combustível), tem se colocado como opção elétricos, com a clara priorização da eletrificação dos siste-
para que o setor de transportes contribua com a transição mas de transporte público nas cidades da América Latina.
energética por meio da menor dependência do uso de com- Priorização esta que pode ser benéfica para o Brasil, o qual
bustíveis fósseis. A motivação que tem guiado estas escolhas detém uma forte indústria automobilística de destaque na
é atender aos compromissos climáticos que colocam a zero região, com todas as capacidades para atender a demanda de
emissão (o NetZero) como meta a ser alcançada até 2050. modais elétricos, em especial dos ônibus elétricos a bateria.
Entretanto, é ingênuo pensar que eletrificar os veículos Ainda que as escolhas para avançar na descarboniza-
se restrinja à simples substituição de uma tecnologia por ção do setor de transporte não sejam únicas, ainda mais
outra. As implicações deste processo, seja em termos das em um mercado como o brasileiro que também pode con-
oportunidades que estão sendo abertas, quanto das dificul- tar com a opção dos biocombustíveis, é fato que em um
dades a serem enfrentadas, é algo que requer novos posicio- contexto cada vez mais globalizado, é necessário projetar-
namentos, planejamento e investimentos. mos qual o tipo de inserção e de protagonismo caberá ao
Isso ocorre na medida em que a mobilidade elétrica tem Brasil no segmento da mobilidade elétrica. As apostas de
o potencial de catalisar uma diversidade de outros setores recondução e reconfiguração do setor automotivo serão
econômicos que passam a integrar a dinâmica da produção de grande impacto, o que requer habilidade para orques-
automotiva. O caso de maior atenção é o setor de energia que trar este movimento para que os atores possam atuar de
tende a gradativamente deslocar a centralidade dos combus- forma convergente, guiados por uma visão de futuro e que
tíveis fósseis como principal fonte de energia veicular. Dentre estejam amparados em um arcabouço normativo e regula-
as várias outras atividades que ganham importância, também tório, com metas de longo prazo que traga segurança aos
merece destaque a rede de infraestrutura de eletropostos, a investimentos. Sem esta governança mais ampla, as opor-
ser consolidada; a produção, reuso e reciclagem de baterias tunidades podem facilmente se transformar em ameaças à
com a complexa escolha acerca das químicas e minerais mais sobrevivência dos próprios negócios. n
adequados; além da necessidade de requalificar uma força de
trabalho que responda a estas novas demandas, seja no de- *Flávia Consoni é professora no Programa de Pós-graduação em
senvolvimento da tecnologia, seja na sua manutenção. Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp.
Compreender as novas oportunidades que se colo- É coordenadora do LEVE – Laboratório de Estudos do Veículo Elétrico
cam implica reconhecer que a mobilidade elétrica tende e membro do Conselho Gestor e do Comitê de Ciência e Tecnologia da
a representar uma tecnologia disruptiva que, de forma Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica
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