Page 34 - Revista EAA - Edição 74
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PONTO DE VISTA
O momento da engenharia
automotiva brasileira
À primeira vista, a engenharia automotiva no Brasil está em crise. Na esteira da indústria
e das dificuldades econômicas, temos a sensação de que não desenvolvemos tecnologia
no país como fazíamos antes. Investimentos escassos e globalização de tecnologias
nos trazem nostalgia. Remete-nos a cerca de 40 anos atrás quando desenvolvíamos
o motor a álcool para garantir independência dos elevados preços de petróleo. Havia
uma engenharia puramente nacional. Talvez este “momento atual” seja bem antigo,
começando no início dos anos 1990, quando caíram as barreiras à importação de
veículos, evidenciando-se o abismo entre o nível da tecnologia da produção local e aquela
proveniente do mundo desenvolvido.
Se, na mesma época, o setor da engenharia aeronáutica brasileira tivesse se permitido a
tal dilema, não teria progredido. Precisou se globalizar ainda criança para crescer forte. Hoje,
podemos voar em todos os continentes, com orgulho, em aviões projetados e construídos no
Brasil. Aviões com o mesmo nível de tecnologia que a engenharia global desenvolve.
Camilo A. Adas Mas o Brasil não é celeiro de inovação tecnológica na indústria automobilística. Ao
é gerente de desenvolvimento contrário, patina em discutir, pessimista, se terá infraestrutura viária para os veículos
sênior da Mercedes-Benz do autônomos nos próximos 20 anos, sem perceber que o trator do agronegócio pode se mover
Brasil e pertence ao Conselho de modo autônomo em precária infraestrutura viária. Confunde-se ao tentar entender
Editorial da revista Engenharia como irá atingir limites de emissões gasosas semelhantes aos exigidos na Europa, apesar de
Automotiva e Aeroespacial ter uma frota circulante que polui muito mais que o veículo novo, pois foi produzida bem
antes de que se percebessem os riscos do aquecimento global. Contradiz-se ao estabelecer
uma legislação moderna para sistemas de freios e controle de estabilidade, ao mesmo tempo
em que permite a circulação de composições de caminhões transportando até 91 toneladas.
Enquanto nós, engenheiros brasileiros, vivemos limitados por um debate diletante
sobre como fortalecer a engenharia nacional, o mundo usa o tempo estabelecendo metas
de colonizar Marte. Enquanto vivemos inseguros de apresentar nossos projetos numa
Mas o Brasil reunião em língua inglesa, encontramos engenheiros orgulhosos em vir até aqui para nos
mostrar a genialidade de projetos que estão além do nosso poder aquisitivo. Por tradição,
não é celeiro nos submetemos a isso. Ora, num mundo competitivo, financeira ou intelectualmente,
de inovação quem nos dará espaço, se nós mesmos não soubermos conquistar nosso lugar na
tecnológica engenharia global?
na indústria Vejamos um exemplo simples. Observar a robustez da sub-base numa estrada em
automobilística construção na Alemanha, impressiona. Imediatamente ironizamos, comentando que no
Brasil aplicamos uma fina camada de asfalto diretamente sobre a terra. Talvez conhecer
“Pavimentação de baixo custo com solos lateríticos”, de Job Shuji Nogami e Douglas Fadul
Villibor, nos permitisse perceber que podemos ter soluções economicamente adaptadas à
nossa realidade, em solo tropical.
Numa ponta, nossa engenharia precisa se inspirar nas matérias-primas nacionais e
desenvolvê-las até que estejam agregando valor nas cadeias produtivas globais; na outra,
precisamos estar presentes no cenário global, expatriando engenheiros de alto nível
intelectual, trazendo-os de volta, para sermos os vetores da engenharia tropicalizada que
aplica aqui tecnologia de ponta.
No Brasil-colônia, com flexibilidade, a capoeira libertou. Nós, engenheiros brasileiros,
precisamos tropicalizar o global, como fizemos com o etanol, o biodiesel, pois talvez não
inventemos novamente o avião, mas temos a liberdade mental de voar muito alto.
34 abril/maio/junho