Page 41 - Revista EAA - Edição 92
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alar sobre 2051 nos remete a muitos “se”, se isso, se em 2030 e 2050. Assim, quando acordamos em 2051, po-
aquilo, e quando se fala de mobilidade, não tem como demos comemorar com uma festa em todo o planeta, pois
Fdesassociar da organização social. A pandemia iniciada finalmente atingimos o Net Zero nesta nave espacial.
em 2020 foi uma prova cabal disso. O que a pandemia trou- Isso tem um grande impacto sobre todas as atividades
xe de alteração social, que gerou reflexos no tema mobili- na Terra. Não só na questão da mobilidade, mas na questão
dade e sustentabilidade, também foi gigantesco, no meio de consumo de proteínas, de sistemas de saúde, e demais
de uma indústria que já estava em um processo de trans- sistemas de suporte a vida no planeta. O desafio principal
formação, a tão falada revolução 4.0. Havia claramente é o capital, o equilíbrio natural da estrutura de capitais e
um desejo de viabilizar uma perspectiva mais democrática. investimentos no planeta em compromisso com as estru-
Com essa concepção, foram colocadas em discussão muitas turas de apoio à vida, sendo o transporte e a mobilidade
opções de modais, e muitos investimentos foram destina- pública um deles. Portanto, temos essa grande mudança nas
dos à malha ferroviária nacional, e assim inúmeros projetos políticas públicas no planeta, que tem impactos globais, e aí
que transformaram nossa realidade atual foram iniciados, vivemos as tensões entre os capitais empregados em com-
temendo-se sempre pela continuidade dos investimentos bustíveis fósseis e esses sistemas multimodais e multiener-
em infraestrutura, que tem impactos de longo prazo. géticos de baixa pegada de carbono.
Assim gravitamos neste cenário de multiplicidades de Nos anos 2020 tivemos as mais intensas investigações
modais integrados, sempre relacionado aos desenvolvi- sobre tais alternativas e fomentos mundiais para desenvol-
mentos tecnológicos, facilitando não só os deslocamentos, ver possibilidades energéticas de pegada de carbono zero.
mas as escolhas e suas integrações, respeitando muito as Tivemos uma mudança conceitual na aviação em que se
características regionais que temos no Brasil, pois, afinal de traçou uma política de descarbonização para se atingir o
contas, estamos falando de um País de dimensões conti- Net Zero em 2030 em muitos países. Se bem que vale lem-
nentais. Uma boa proposição de mobilidade para o Sudeste brar que o Net Zero não é exatamente carbono zero.
não faria sentido para o Norte, o Sul ou o Nordeste, só para Nessa mudança conceitual, a troca das fontes fósseis por
ficar entre as regiões. Sabemos que o desafio é gigantesco. eletrificação, hidrogênio verde e outras fontes de energia
Vemos duas “grandes avenidas” neste deslocamento ao fu- limpa com múltiplos usos dessa energia em todas as coisas
turo. Uma se relaciona com o que o governo implementa de foi fundamental. No entanto, a evolução do setor privado
medidas regulatórias, que impactam na escala de décadas, es- é ainda maior. Não somente as políticas públicas vão nos
tando muito interligadas com uma outra “avenida”, a das dis- levar a essa construção, com seus modelos jurídicos, mas o
cussões sobre as matrizes energéticas e do impacto delas no setor privado, que está atuando como os maiores modela-
planeta em termos de emissões de carbono e materiais particu- dores de fomento e investimentos no mundo.
lados, assim como sua relação com as mudanças climáticas que, Entidades privadas como JP Morgan, BlackRock, en-
através das COPs (Conferência das Partes), todos os países se tre outras, já incorporaram os riscos ambientais dentro das
declararam a favor de atingir o Net Zero de emissões de gases suas estruturas. Temos partes do planeta que poderiam
de efeito estufa até 2050. Toda a discussão gira em torno de ter ficado inabitáveis ou inviáveis para a produção de
análise das alternativas que tenham o impacto menos pernicio- energia, e quando passamos a ter áreas que não podem
so para aquilo que o planeta tem como sua própria sustentação. ser securitizadas, começamos a encolher de forma im-
Na verdade, o planeta Terra é como uma nave espacial portante a capacidade dos atores em seus negócios. Com
à deriva. Tem água limitada, tem terra limitada, tem ener- inúmeras grandes empresas do setor privado anunciando
gia limitada, tem oxigênio limitado e vai ter uma capaci- planos para atingir o Net Zero desde 2030, mudaram-se
dade limitada de “tripulantes”, vamos chamar assim, pois as perspectivas de ampliação dos negócios ligadas a esse
todos somos mais que passageiros. Do ponto de vista da compromisso global pela sustentabilidade. Os desafios
mobilidade, teremos que enfrentar a viabilidade, que está para se conseguir tal acordo são imensuráveis.
ligada à existência desta nave espacial que é a Terra, que Em 2020 ninguém, nem com uma bola de cristal ou com
tem capacidade limitada para se reciclar e prover toda essa o Oráculo de Delfos, poderia ajudar os líderes a preverem o
estrutura. Temos aí o movimento que se confirma na Reu- que aconteceria com relação a essa matéria. O que tínhamos
nião da COP em Glasgow, em que pequenas ilhas e países era apenas um compromisso de todos esses grandes atores no
pequenos e ricos que já assumiram o compromisso de zerar mercado se propondo a trabalharem juntos para essa transfor-
suas emissões de gases de efeito estufa antes de 2030, todos mação que marcou o início de uma virada importante na des-
os demais assumiram o compromisso de atingir o Net Zero carbonização do planeta.
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