Page 40 - Revista EAA - Edição 98
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TRANSIÇÃO ENERGÉTICA
Agave: plantas de
alta produtividade de
biomassa, semelhante
à da cana, mas que
consegue viver e
produzir no semiárido
Assim como na agricultura, em que o processo de hibri-
dização de espécies e variedades permitiu um espetacular
aumento de produção, a hibridização automotiva agrega o
melhor dos dois mundos: a engenhosidade da combustão,
que permite o uso dos combustíveis renováveis, com a efi-
ciência do motor elétrico, que reduz muito o consumo de
energia por distância percorrida.
Além disso, a combustão gera emprego, muitos empre- FOTOS DIVULGAÇÃO
gos, em uma imensa cadeia de valor. Desde o campo – com
o preparo do solo, plantio, indústrias diversas de fertilizantes,
insumos agrícolas, genética e mecanização –, passando pelas
biorrefinarias, que hoje geram biocombustível, biofertilizantes, possibilidades. A meta era a sobrevivência, sem chance para
bioeletricidade, ração animal e alimento, indo até a indústria o acúmulo de capital ou o investimento de risco em novas
automotiva, que agrega milhares de empresas produzindo os estratégias. Não é preciso muito esforço para verificar que as
mais diversos e sofisticados componentes mecânicos e eletrô- civilizações mais avançadas progrediram em locais de clima
nicos para realizar a mobilidade, algo que é essencial para a hu- regular e baixa temperatura média, o que é extremamente
manidade desde os seus primórdios. confortável para a reflexão e a produção intelectual. Mesmo
Esse deverá ser o “Road map” do Brasil na direção do no passado, o frio extremo sempre foi possível de se contra-
futuro. Os combustíveis renováveis serão a nossa bateria, to- por através do calor da combustão.
talmente recicláveis e que não demandam a mineração para Entretanto, essa lógica não se aplica às altas temperaturas
a sua confecção. Além disso, esse modelo tem uma enorme provocadas pelo clima, que apenas mais recentemente pôde
capacidade de capturar e sequestrar carbono de forma pro- ser aplacado a partir do uso do ar-condicionado, uma invenção
dutiva, com o condicionamento do solo a partir da deposição que foi reconhecidamente essencial para o desenvolvimento
de carbono (o biochar). Isso é extraordinário e a alternativa de diversos países da zona tropical, notadamente dos Tigres
inteligente às ideias de se armazenar CO nas profundezas do Asiáticos (veja matéria da Forbes, 5 de julho de 2016, por
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planeta, em locais capazes de capturar o CO de forma segu- Eamonn Fingleton). Assim, considerando-se a “sobreoferta
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ra, algo ainda sob grandes incertezas. Sabemos que é possível gigantesca” de eletricidade que temos no Nordeste, agora é a
injetar CO em poços de petróleo para se extrair mais petró- hora de aplicar essa energia para climatizar as escolas e univer-
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leo, o que não faria qualquer sentido se o objetivo for mitigar sidades da região, o que propiciará ao sertanejo converter a sua
as mudanças climáticas. Existem ainda outras possibilidades, força, resiliência e criatividade em ciência e tecnologia do mais
também arriscadas e que só se justificam se houver crédito de alto nível capaz de resolver não só os problemas da região, mas
carbono para justificar a operação, que é estéril do ponto de o de toda a civilização. Essa será a realização da profecia que
vista de geração de produto (diferentemente do biochar). dizia que o sertão vai virar mar. Sem dúvida, vai virar um mar
Por fim, vivemos uma era do conhecimento. Os recursos de oportunidades para o Brasil e o mundo. n
naturais só se transformam em riqueza sob o escrutínio da
ciência e da tecnologia. O sertão, devido ao forte calor e às *Gonçalo Pereira é professor titular da Unicamp
instabilidades climáticas, foi até hoje uma região com poucas e coordenador do programa Brave.
40 abril/maio/junho